Criança com microcefalia atendida no Ninar acessa ensino regular no Maranhão
19/04/2019
Metodologia de tratamento desenvolvida na Casa de Apoio Ninar estimulou evolução das habilidades motoras da criança
Aos 3 anos, a rotina de Mateus Mendonça Rabelo, de São Luís (MA), ganhou surpreendente conquista, aparentemente comum para as outras crianças da mesma idade. O menino é o primeiro paciente com microcefalia atendido pelas unidades de saúde gerenciadas pelo Instituto Acqua em parceria com a Secretaria de Estado da Saúde (SES) e que foi matriculado em escola de ensino regular – o Colégio Cenaza, no bairro do Cohatrac.
Antônia Maria Lopes, professora especialista em Educação Especial do Cenaza, explica que ao receber a família na escola a principal preocupação era como lidar com a dificuldade motora da criança. “Fizemos uma sondagem inicial para avaliar o desenvolvimento cognitivo e constatamos que ele estava dentro do esperado para sua faixa etária. A mãe do Mateus trouxe os laudos das unidades de saúde e orientações de como estimular as habilidades motoras dele”, explicou.
Algumas adaptações foram necessárias para a inclusão do menino na turma de alunos do Maternal I, em sala regular com outras 13 crianças. A professora teve auxílio de uma tutora, com uso de tecnologias assistivas – pincel de cabo menor, lápis jumbo, prancheta fixa na mesa – que ajudam nas funções motoras. “O conteúdo é o mesmo aplicado aos outros alunos e ele não tem dificuldades cognitivas”, pontuou Antônia Lopes.
A microcefalia é uma condição em que a cabeça do bebê é menor do que a cabeça de crianças com a mesma idade e mesmo sexo. Ela acontece quando há problemas no útero, o que faz com que o cérebro do bebê pare de crescer adequadamente, ou também pode ocorrer após o nascimento.
“Na gestação, apresentei sintomas do Zika Vírus, mas ainda não tinham descoberto a infecção congênita para o bebê e achei que estava com dengue. O pré-natal foi normal e ele nasceu com perímetro cefálico regular. Depois dos 4 meses de idade que fomos percebendo que havia limitações motoras”, disse a técnica de enfermagem Rejane Daltro Mendonça, mãe do menino.
O pediatra do Mateus encaminhou a família para consulta no Centro de Referência em Neurodesenvolvimento, Assistência e Reabilitação de Crianças (Ninar), localizado em anexo ao Complexo Materno-Infantil Dr. Juvêncio Mattos, na capital maranhense. “Ele chegou com 9 meses e tinha bastante comprometimento das funções motoras. Não sentava, não ficava em pé, não rolava”, destacou Patrícia Fernanda Silva Lopes, fisioterapeuta do Centro Ninar.
Exames confirmaram o diagnóstico de Síndrome Congênita do Zika Vírus. A unidade de saúde também realiza outros diagnósticos, exames e tratamentos a crianças com síndrome de Down, síndromes raras, paralisia cerebral por anoxia, paralisia cerebral com microcefalia por infecção congênita, incluindo rubéola e toxoplasmose, e tem mudado a história de muitas famílias.
Tratamento especializado – Do Centro Ninar, a família de Mateus foi direcionada para acompanhamento na Casa de Apoio, unidade criada para ser um ambiente de reestruturação emocional e econômica das famílias atendidas e tratamento das crianças.
“A nossa rotina foi toda reorganizada. Separamos um horário para os atendimentos médicos e tenho ajuda da minha mãe e do meu marido porque faço faculdade pela manhã e trabalho à tarde. Na Casa de Apoio eles nos ajudam com acompanhamento psicológico, orientam como controlar nossas ansiedades, medos e fortalecem o vínculo. A gente compartilha nossa experiência com outras mães nos círculos de conversa”, disse Rejane.
Do primeiro atendimento, em outubro de 2017, até a matrícula na escola, a trajetória de Mateus foi acompanhada com entusiasmo a cada pequena evolução no desenvolvimento motor, como explicou a terapeuta ocupacional Valéria Souza.
“Quando ele chegou aqui, percebemos que era uma criança diferenciada no olhar e atenção ao entorno. Tinha uma grande limitação no quadro motor e comprometimento dos 4 membros, dificuldade no controle cervical, em segurar objetos, manter muitas posturas. Mas o cognitivo parecia muito aguçado junto com uma família cheia de amor e bastante presente”, disse Valéria.
A Casa de Apoio desenvolve uma metodologia de atendimento definida como “circuitos de vivência”, que envolve a consulta inicial com neuropediatra, depois a participação no grupo de orientação multidisciplinar com profissionais de saúde de diversas especialidades para definir o planejamento do tratamento.
Circuitos de estimulação – Inicialmente, Mateus visitava a Casa de Apoio a cada três meses, participando de intensa bateria de atividades que acontecem em uma sala estruturada com tapete, espelho e diversos recursos e objetos. O primeiro dia é dedicado à atualização de cadastro, orientações da semana e organização do grupo na casa. As famílias que moram em outras cidades ficam abrigadas na Casa de Apoio durante o período.
No dia seguinte, as crianças participam, pela manhã, das atividades de estimulação motora e, à tarde, das atividades sensoriais e cognitivas. Na segunda etapa são estimulados os membros superiores; na terceiro, a dissociação da cintura escapular e pélvica (exercício de sentar), e na quarto fase, os membros inferiores.
“As atividades de estimulação tem o objetivo de melhorar a qualidade de vida das crianças, prevenindo deformidades. Vamos ensinando as mães a realizarem os exercícios em casa, com os recursos disponíveis, e explicando a importância de cada movimento e como acompanhar a evolução do desenvolvimento motor e cognitivo dos filhos”, pontua a terapeuta ocupacional da Casa de Apoio, Ticiana Campelo.
A cada retorno trimestral das crianças, de acordo com a evolução do desenvolvimento, são sugeridos novos exercícios. O acompanhamento é feito com base na escala GMFM (Gross Motor Function Measure ou Medida de Função Motora Grossa), que avalia os movimentos amplos, uso dos braços, cabeça, perna e tronco. O método é uma ferramenta de mensuração validada internacionalmente e serve de modelo comparativo a grupos de crianças com paralisia cerebral.
Depois, é apresentado um parecer geral da evolução do desenvolvimento com aplicação de um programa de estimulação a cada retorno da criança. “As observações específicas são levadas ao médico para atualização do parecer e do tratamento”, esclareceu Valéria.
É recorrente o caso de mães que geram expectativas no processo de desenvolvimento. Rejane afirmou que foi importante o acompanhamento psicológico na Casa de Apoio para equilibrar as etapas de desenvolvimento e entender os avanços dos filhos com microcefalia ou outras patologias.
Avanços – As orientações adquiridas na Casa de Apoio garantiram a segurança e otimismo para que a família acreditasse ser possível a convivência de Mateus numa escola de ensino regular. “Ele rapidamente foi desenvolvendo a linguagem, fala algumas palavras, reconhece os sons, já sabe rolar, sentar mais vezes, cantarola alguns sons”, disse Rejane.
Mateus permanece matriculado na escola e seguirá para turma do Maternal II. O material escolar foi adaptado para as habilidades motoras da criança e há acompanhamento regular e troca de informações sobre as cognições entre os terapeutas das unidades de saúde e os professores da escola.